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segunda-feira, 21 de junho de 2010

NÃO TÃO DE REPENTE, PARTE O MAGO


Por Eduardo Bezerra

Saramago não era ateu. Suas obras gritam isso a cada página. ó um displicente não perceberia que conversava com deus em intimidade ímpar. Só um cego não via sua busca por um deus. Seu deus. Buscava questionando, na melhor forma de buscar algo: onde está? Para onde foi? Só se procura aquilo no qual se acredita que exista. Nunca vi alguém procurar o impossível. Nem os cientistas. Buscando a máquina do tempo ou a fórmula alquímica da juventude eterna, por mais que digam ser improvável, eles buscam. Buscam porque há cem anos atrás ir ao espaço era impossível. E fomos.
Saramago não era pessimista. Não achava o otimismo uma ignorância, como profetizava. Um pessimista se conforma, fala baixo e aceita a ida à força. Saramago rejeitava o conformismo. Assim como nunca vi alguém buscar algo o qual não acredite que exista, não creio ser possível alguém gritar sem esperança. Nem um louco. E não existe esperança sem otimismo. Por uma questão de lógica matemática, era otimista sim. E ignorante, como profetizava.
Não era comunista. Pelo menos não o clássico. Uma pessoa que falava de amor não poderia nunca aceitar a ditadura. Nem a do patronato nem do proletariado. Não há possibilidade de se amar na privação dos sentidos. Podia ter afeição pelo comum, radical da palavra comunismo. Mas isso é o que menos aparece neste ideário. O importante é o trabalho e o produto do trabalho. Nos resumimos a isso. Leio sobre opressão, luta, trabalho, produção e capital. O comunismo nunca me ofereceu o amor e a compreensão. Não há isso na ditadura. Nem do patronato nem do proletariado. Havia a igualdade. Perigosa igualdade que nos faz iguais quando somos diferentes. Mágica e magnificamente distintos. Talvez ele fosse um comunista essencial. Na essência da palavra.
A descrença de Saramago não o fazia um materialista. Isso seria um paradoxo se não estivéssemos falando do menos materialista dos incrédulos. Porque quando se vai a crença no espírito só fica a matéria. Aquilo que se toca, aquilo que se sente. Um materialista não percebe o afeto. Não mais que uma série de reações químicas. Não mais que um conjunto encadeado de processos. Não mais que um incômodo que logo passa. Um materialista nunca afirmaria que a única defesa contra a morte seria o amor. Nunca.
E assim ele se foi. Não tão de repente. Gastou-se nesta terra de momentos finitos, instantâneos. Com seus parágrafos intermináveis capazes de fazer o fôlego se perder entre as marcas de tinta. Não era apenas um alimento para a mente, mas uma prova para o corpo. Caim, seu último livro, foi pródigo nesta maratona. A impossibilidade de cortar a ideia no meio fazia da obra dele uma história contada por nós mesmos. E uma hora a genialidade tem um fim, sobretudo quando nos afastamos do humano e beliscamos o fruto da árvore do conhecimento.
Bem, Saramago. Mordestes o fruto que nos tirou do paraíso. Mas como todo antídoto é feito do próprio veneno, chegou tua hora de voltar ao éden. Se é que ele existe mesmo.

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