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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

ALLAN SALES


SALVE MERCADO DA BOA VISTA

As coisas se constroem paulatinamente, num crescente somatório de contribuições individuais, até chegar num ponto de massa crítica, levando consequentemente a um salto de qualidade. Em fevereiro de 2008, não sendo mais possível realizar meus shows no Mercado da Madalena, busquei meus amigos do Mercado da Boa Vista e propus a eles que me fosse permitido realizar um evento similar ao que realizei com êxito na Madalena durante mais de um ano e meio.

Lenilson, vulgo Lelêu, o cabra mais mal humorado do mercado, pois tem o DNA do Seu Lunga, era o locatário que possui no Mercado da Boa Vista o local mais apropriado para esse tipo de intervenção. É central, é um ponto freqüentado por gente divertida e conhecida, e dali daria pra irradiar para os bares e boxes do entorno.
Ele não foi muito amistoso com a idéia, dizia que já bastavam os eventos dos sábados, concorridíssimos, no qual o mercado ficava atulhado de gente em torno dos shows musicais implementados por três iniciativas culturais pagas pela municipalidade e por grupos privados que ocupam o mercado com shows musicais.

Depois de muita conversa, ele permitiu que eu pusesse em cena minha modesta caixa de som pra tocar no espaço. Eu começando meu show ao meio dia, sendo a mim permitido pela CSURB, órgão gestor dos mercados do Recife, me apresentar até às 15h, depois disso, funcionários da empresa eram dispensados e nós obrigados a encerrar nosso evento.

No começo houve um estranhamento danado, as pessoas acostumadas a um mercado silencioso aos domingos, muitas não absorveram bem a idéia de ficar ali me ouvindo tocar, cantar e declamar meus cordéis, tive problemas de censura com alguns que se chocaram com as coisas um tanto quanto apimentadas que costumo apresentar.
Além disso, meu formato de rodar meus envelopes propondo um “couvert artístico” espontâneo com as pessoas presentes, me valeu muitos desaforos e grosserias por parte de algumas pessoas pouco educadas que não souberam lidar com essa nova proposta neste espaço. Acontece que faz mais de quatro anos que sou freqüentador habitual do mercado, fiz inúmeras e preciosas amizades com gente que mora no centro e que lá costuma aportar para seu lazer boêmio. Essas pessoas foram o esteio nesta nova empreitada, deram seu apoio irrestrito, colaboraram de acordo com suas posses com nosso trabalho, além disso, alguns desses seres são também músicos que pediam para dar o ar de sua graça em nosso palco.

Paulinho das Candongas, o dinossauro do “rock and roll”, músico e compositor das antigas, fez parte do movimento “undergroud” dos anos 70, uma autêntico maluco beleza. Carmelo Bandeira, cantor, violonista e compositor, pesquisador de música instrumental de violão, toca chorinhos por música, fã dos Beatles, e dá um show cantado coisas de Pixinguinha.

Marcos , pandeirista eficiente, casado com uma linda moça morena que canta divinamente coisas do repertório de Elis Regina, junto dela, sua mãe, uma engraçada senhora que canta com o mesmo timbre de Elizete Cardoso peças do cancioneiro tradicional de seresta. Noélia Bethânia, uma farrista de boa cepa que canta para deleite de todos( e em especial da tribo GLS) músicas do repertório de Maria Bethânia que canta com muita alma.

Mas, quem realmente fez a diferença foram três cabras dos bons, um deles Roberto, mais conhecido como Dentinho, porque só tem um único dente na boca, um canino inferior esquerdo. Garçom do bar de Lelêu e também ajuda com a limpeza e arrumação das mesas, pediu um dia para cantar coisas bem cafonas que fizeram muito sucesso com os presentes no local.

Acompanhado por Sílvio, hoje com 57 anos, veterano guitarrista que acompanha cantores bregas no Recife e região, cabra bom demais da conta, toma suas canas discretamente e é excelente solista, com ele hoje faço duetos de violão e guitarra tocando sucessos instrumentais dos anos 60 que são bem recebidos pelo povo do mercado e de outros espaços nos quais nos apresentamos. Pra fechar o trio de ouro, o próprio Lelêu que nos anos 70 foi baterista de bandas de iê-iê-iê, canta coisas de Tim Maia com muita alma e muitas músicas num idioma bem parecido com o inglês, faz enorme sucesso e seu show é sempre ovacionado pelos pândegos freqüentadores do mercado.

O Mercado da Boa Vista que nos domingos era uma coisa mixuruca e sem fogo, já que por volta das 14h o povo costumava sumir, às 15h, os funcionários punham a corrente no portão, quem está fora não entra, apenas quem está dentro que saía. Hoje é um pólo de eventos musicais com poesia também na fita, ponto de encontro de gente para uma convivência boêmia e gastronomia regional de boa qualidade, ao som de música bem variada para todos os gostos, criamos um ponto de cultura à revelia de apoios oficiais e privados, coisa que hoje demonstra vitalidade e interatividade com as pessoas que com sua contribuição nos permitem manter acesa essa nova chama nas trevas da massificação e alienação de nossas boas tradições musicais.

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